quinta-feira, 14 de maio de 2009

MIA COUTO,

Análise do conto "A FOGUEIRA", de MIA COUTO

Mia Couto, em "A fogueira", assume um narrador que fala de duas personagens e suas vidas miseráveis. Pessoas donas de "nadas", ignorantes ao ponto de pensar poderem ser donos de seus destinos, de enganá-lo, escolhendo até mesmo a hora de suas mortes.

O autor faz um jogo com as palavras, brinca com elas, "As pernas sofriam o cansaço de duas vezes: dos caminhos idosos e dos tempos caminhados" (p. 371), lhes dá o sentido que quer, mostrando, ao contrário de seus protagonistas, que pelo menos um destino, o das palavras, alguém pode governar, mesmo que por um curto período. Com essa estratégia, Mia Couto arma uma teia na qual o leitor se deixa prender, não reluta, não contesta, não contraria, aceita um "invasor" de vidas, de consciências, momentaneamente, envolvendo-se na brincadeira , no jogo com as palavras proposto por ele.

Nessa obra, Mia Couto conta a vida de um casal de velhos, que vivem sozinhos, acompanhados de seus "nadas", sua miséria, "_Somos pobres, só temos nadas" (p.371). Ajeita as palavras para deleite de quem as possuir mais tarde, torna-se um narrador testemunho, imóvel, alguém que apenas observa, "O velho chegou mais perto e arrumou a sua magreza", (p. 371), não se dá o direito de interferir no destino de seus personagens, pelo menos aparentemente, porque é ele o criador, é ele quem dirige essas vidas, essa história, mas como já disse antes, quem sabe brincar com as palavras, faz delas o que quer. E Mia conseguiu. Com a ajuda delas ele tira de seus ombros a o peso da responsabilidade sobre aqueles destinos, o divide com seus leitores, ou ainda, livra-se totalmente dele aos olhos daqueles leigos à literatura.

O realismo mágico usado na obra nos leva a acreditar que trata-se de uma veracidade e não de uma ficção, " É melhor começar já a abrir a tua cova, mulher. A mulher comovida, sorriu: _Como és bom marido! Tive sorte no homem da minha vida"(p.371 – p. 372), "Não é mulher. Foi que dormi perto da fogueira" (p.373). Um jogo muito bem feito para conquistar leitores, seres humanos, que embarcam nessa viagem, a obra, na esperança de torná-la cada vez mais mágica, mais real, como se isso fosse possível. Magia e realidade fazem parte de mundos diferentes, opostos. Atraem-se, mas jamais fundirão-se no mesmo espaço, apenas trabalham juntas para o prazer dos humanos.

Com apenas duas personagens e palavras apenas, o autor consegue elaborar uma ficção rica, detalhada, envolvente. A pobreza das personagens torna-se riqueza nas mãos desse jogador, desse manipulador de palavras. Uma vida simples, com "nadas", nem a nomes tiveram direitos esses protagonistas, como nos é retratada, foi a melhor maneira encontrada pelo autor para falar sobre a pobreza de um país, Moçambique, sua terra natal, sua gente.

Mesmo narrada no pretérito, "A velha estava sentada [...](p.371); O velho ficou calado [...](p.372); [...] dedicou-se ao buraco, (p.372)" a ficção invade o presente toda vez que é lida. Chama atenção para os fatos. As personagens conversam e o leitor, através do narrador, as escuta e observa "Meu marido está diminuir, pensou ela. É uma sombra" (p.371)

A natureza é mágica, cada coisa tem seu valor. Cada coisa tem sua personificação. Assim é a vida para os africanos, sua visão sobre o mundo é de aceitação, de harmonia. E assim transmite o narrador a religiosidade desse povo através velho, quando narra que ele tinha preocupação em "covar" para a sua mulher, ou pressentira o que lhe aconteceria, sua própria morte, a renovação de sua vida, uma forma de libertação do sofrimento por que passara até o momento. O próprio título da história, "A fogueira", remete às crenças religiosas desse povo.

O narrador retrata a miséria da África através dos objetos do casal: "A velha estava sentada na esteira, [...] A fortuna dela estava espalhada pelo chão: tigelas, cestas, pilão. Em volta era o nada" (p. 371). Uma visão realista dos fatos daquele lugar, daqueles que saíram em busca de vida melhor ou para lutar e não regressaram, "Pastoreava suas tristezas desde que os filhos mais novos foram na estrada sem regresso" (p.371)

As palavras simples, nem tão simplesmente acomodadas, tomam seu lugar no papel para gritar e denunciar pelos menos favorecidos. Gritam ao mundo inteiro que elas existem, que eles existem, que elas falam o que eles calam, que eles vivem o real alimentando-se do mágico, mas que só elas são capazes de viver nesses dois mundos diferentes e tão distantes, por isso detentoras de poder tão grande que jamais será alcançado pelo ser humano.


 


 

REFERÊNCIAS:

COUTO, Mia. A Fogueira. In Vozes Anoitecidas, Caminhos, Lisboa, 1987.

2 comentários:

Anônimo disse...

Meu nome é Flávia, decidi voltar a estudar para prestar vestibular. Nunca tinha ouvido falar de "Mia Couto" e esta análise sobre seu poema me ajudou bastante. Parabéns!

Unknown disse...

que tipo de literatura Mia Couto usou no conto a fogueir. bom dia